por Michael Federici
links para o original:
O sistema filosófico do Eric Voegelin tentou demolir as barreiras ideológicas na busca da ordem e da recuperação da consciência do transcendente.
O trabalho do Eric Voegelin não é muito bem conhecido fora de um relativamente pequeno grupo de acadêmicos e alguns de seus alunos. Mesmo assim, dentro deste grupo a influência do Voegelin é impressionante. Seus trabalhos têm inspirado uma crescente literatura secundária e a sua filosofia política tem sido aplicada a vários tópicos nos mais diversos campos. Sua filosofia da história e a sua filosofia da consciência têm influenciado o trabalho de diversos pensadores, todos merecedores de atenção, entre eles: Gerhart Niemeyer, Flannery O’Connor, David Walsh, Marion Montgomery, Russell Kirk, James L. Wiser, Ellis Sandoz, Dante Germino e Jürgen Gebhardt. Outras evidências da influência do Voegelin são: a criação, em 1987, do Instituto Eric Voegelin na Universidade do Estado da Lousiana nos Estado Unidos; e o estabelecimento do Centro de Estudos sobre Eric Voegelin no Departamento de Religiões e Teologia da Universidade de Manchester. Porém, enquanto é verdade que o trabalho do Voegelin influenciou vários acadêmicos do primeiro escalão, suas teorias políticas ainda não encontraram seus caminhos para a cultura mais ampla.
Confrontado com uma extensa e profunda degradação cultural, social e moral, Voegelin teorizou que o Ocidente perdeu sua consciência de certas experiências históricas vitais para a formulação da ordem política, social e existencial. Usando as palavras do próprio Voegelin, experiências históricas e seus correspondentes símbolos nas linguagens iluminam a verdade da realidade. Linguagem foi necessária tanto para articular as “experiências da ordem” como para preservá-las ao longo do tempo, já que estas experiências são raras. A verdade da existência incorporada na experiência foi uma força ordenadora pois coloca em consonância a alma aberta e o Agathon (o Bem). E uma ordem social e política justa, assim como a alma justa, é dependente deste tipo de consonância. Infelizmente, a experiência histórica não pode ter um efeito ordenador se os símbolos da linguagem que a preservam perdem o seu significado original, como ocorre quando eles são transformados e obscurecidos pelos movimentos ideológicos. Estes movimentos agem de modo a separar os símbolos das linguagens das suas experiências geradoras.
Para reconquistar a consciência destas experiências geradoras – e ainda por cima recuperar a ordem social, política e existencial – o filósofo precisa “reativar a experiência geradora na sua psiquê” e “recapturar a verdade da realidade que vive nestes símbolos”. Em particular, os símbolos das linguagens contido nos mitos, nas revelações, na história e especialmente na filosofia devem ser restaurados para a luminosidade – ou seja, devem ser reatados com as experiências históricas que eles tentam transmitir – antes que discussões racionais das questões da ordem possam ocorrer. Esta recuperação do sentido necessita que o filósofo recrie a experiência imaginativamente num ato de meditação e que crie os “símbolos reflexivos” que articulem a verdade dos “símbolos originais”. Esta compreensão da crise moderna como a perda da consciência dos símbolos e da experiência ajuda a explicar o porquê do Voegelin voltar-se para a filosofia da consciência nos seus últimos trabalhos.
O uso contemporâneo da palavra “filosofia” ilustra as consequências de desconectar os símbolos da linguagem das suas experiências geradoras. “Filosofia” acabou, no dia a dia, com o mesmo significado que “ideologia” ou “sistema de valor”. Porém clareza filosófica depende das distinções, por um lado entre filosofia e conhecimento (episteme), e por outro entre ideologia e opinião (doxa). Por exemplo, o uso contemporâneo de “filosofia” e “ideologia” como sinônimos implica que as filosofias de Platão e Aristóteles não devem ser tidas como afirmações verdadeiras sobre a realidade; e sim como duas ideologias, duas entre tantas outras que um indivíduo é livre para escolher baseado nas suas preferências pessoais ou pelos seus interesses políticos. As implicações políticas do símbolo “filosofia” se tornar opaco são evidentes na emersão dos “formadores de opinião”, dos “marqueteiros”, um tipo que Platão classificava como filodóxicos, amantes das aparências e das opiniões. As intencionais distorções da realidade destes corroem a habilidade dos indivíduos de ver a vida como ela é. Num ambiente como este, política não é uma busca pela verdade ou pela fundação da ordem baseada nesta verdade. Política, neste ambiente, não passa de um jogo de poder jogado pelos filodóxicos que vendem as suas opiniões com uma compreensão Sofística que o quê interessa é apenas o poder e não a verdade. Este contexto torna muito difícil o estabelecimento da existência da verdade (aletheia) sobre a realidade, particularmente da realidade transcendente. Na verdade, referências para uma realidade objetiva são usualmente encaradas com um profundo ceticismo existencial e intelectual, se não com total e completa intolerância. Voegelin chamava esta reação ao discernimento filosófico de “fechamento narcisístico”. Ele acreditava que é uma característica do homem moderno esta alienação e distanciamento espiritual. Discussões profundas não podem acontecer sob estas circunstâncias por que as precondições para o debate racional não existem.
Como importantes símbolos das linguagens perderam seus significados, Voegelin achou que além de ser necessário restaurar os significados originais dos antigos símbolos, também é necessário criar outros para explicar as estas questões filosóficas. Exemplos de novos símbolos dados por Voegelin são: a “logofobia”, medo e ódio da filosofia; “especulação pseudológica”, especulações não-teoréticas, aquelas que são fechadas para aspectos da realidade por conta das suas rígidas preconcepções ideológicas que vemos em pensadores “espiritualmente doentes” como Karl Marx). Voegelin criou estes termos para explicar a depravação espiritual que gera tantos sistemas ideológicos. A criação de novos termos e conceitos foi uma parte necessária para criar e restaurar uma nova ciência da política, a ciência da filosofia política clássica, que foi capaz de efetivamente analisar e diagnosticar a crise moderna. A combinação de termos filosóficos não usuais e de alguns neologismos abriu espaço para acusações que Voegelin não passa de um pedante e de um esotérico. Na verdade ele não foi nenhum dos dois. Mediante um estudo cuidadoso da teoria política do Voegelin, se torna claro que o uso de termos filosóficos não usuais e dos neologismos foi justificado pela natureza do contexto da sua filosofia política. Penetrar no significado da experiência e na verdade da realidade numa era de ideologias deformantes necessitou de uma reativação dos significados dos símbolos que articulavam a experiência da realidade e necessitou da criação de novos símbolos para descrever os complexos problemas filosóficos. Voegelin não estava sendo intelectualmente vaidoso na sua terminologia; ele estava tentando genuinamente descrever a realidade e restaurar a ciência política.
Diagnosticar a crise Ocidental necessitou a criação de um sistema filosófico que pudesse identificar a origem da desordem e penetrar nas suas causas espirituais. Este esforço deu à luz a “nova” ciência da Política do Voegelin. A sua abordagem foi nova no sentido que foi uma quebra radical com as metodologias baseadas nas ideologias dominantes da sua época. Porém ela é bem antiga no sentido que a concepção de Voegelin de ciência retorna as abordagens clássicas de Platão e Aristóteles. Esta abordagem reconstituída para análise científica foi necessária por causa do estado existente da academia no século XX. Ideologias como o positivismo colocam demandas metodológicas nos acadêmicos que tornam impossíveis de acuradamente diagnosticarem as doenças do mundo Ocidental. Estas ideologias são inadequadas pois elas são filosoficamente fechadas para o escopo completo da realidade – ou seja, seus métodos e pressuposições proíbem análises teóricas das questões a respeito da realidade transcendente. Ideologias são obstáculos para a análise acadêmica e científica da crise moderna e são, na verdade, parte da crise.
Redespertar a consciência Ocidental para a experiência da ordem, que é a própria substância da civilização, demanda uma busca aberta e completa para a fonte divina da ordem. Este processo de lembrança (anamnesis) sugere que a verdade da experiência da realidade não foi perdida para sempre, mas que jaz dormente na mente Ocidental, esperando para ser despertada imaginativamente por uma alma espiritualmente sensível. O sistema filosófico do Voegelin tentou derrubar estas barreiras ideológicas para permitir a busca da ordem e da recuperação da consciência transcendental, que é o porquê ele dedicou uma porção significativa da sua vida acadêmica aos problemas de ideologia e metodologia. É por isso também que ele rejeitou doutrinas da ordem (em oposição a filosofia da ordem) e o porquê dedicou tanto esforço para uma busca sincera (zetema). A filosofia política do Voegelin iluminou o caminho; ela incorporou no espírito como a busca pela fonte transcendente da ordem deve ser conduzida; ela não criou um sistema ideológico, nem um programa político, nem uma doutrina social. O seu objetivo primário não foi recuperar uma informação histórica, mas sim recuperar uma compreensão do processo do qual o homem se torna consciente da realidade divina-transcendental.