quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Filosofia da História, Progressismo, Estado Administrativo, Liberalismo (de esquerda e de direita) e Direito Administrativo

Original: https://americanmind.org/audio/r-j-pestritto-on-progressivism-liberalism-and-the-administrative-state

Nesta edição do podcast "The American Mind", o apresentador Ryan Williams senta-se com Ronald "RJ" Pestritto, decano da Escola de Pós-Graduação e professor de política do Hillsdale College, para discutir o progressismo: como surgiu, seu impacto teórico e político, e o que isso significa para nós hoje.

Desde sua chegada à cena política, na virada do século XX, o progressismo transformou a política americana. Porém não se pode apreciar completamente esta mudança sem uma compreensão da visão original dos pais fundadores dos EUA sobre a natureza humana, governo e justiça - e como a visão progressista da América procura destruí-la.

Pestritto também discute o liberalismo com "l" minúsculo, um tema muito em voga hoje na direita, e como ele foi totalmente dissociado do seu significado original, aquele de proteção de direitos, adotado pelos fundadores dos EUA.

Evidentemente, nenhuma discussão sobre progressismo está completa sem considerar o Estado Administrativo. Falamos então sobre a ascensão da burocracia na América e o que isso significa para a nossa ordem constitucional.

***Leitura Recomendada:
O Carimbo Alemão no Progressismo Administrativo de Wilson
https://americanmind.org/post/the-german-stamp-on-wilsons-administrative-progressivism/

Pestritto: Se você pensar na maioria das principais controvérsias políticas hoje em dia, elas sempre acabam no tribunal - seja sobre saúde ou meio ambiente. Imigração então seria outro exemplo muito óbvio. Todos casos de Direito Administrativo. É uma questão de, "bem, a agência fez o que a lei diz? Foi errado o Congresso lhes conceder este poder, em primeiro lugar? Que postura o tribunal deve adotar em relação à decisão tomada pela agência? Deveria apenas aceitar o que foi feito?"

Para lidar com estas questões existe toda uma gama de doutrinas obscuras; mas elas estão se tornando cada vez mais importantes. Por quê? Porque foi assim que escolhemos fazer política. O Congresso não decide mais nada hoje em dia.

[Interlúdio musical curto]

Williams: Meu convidado no programa de hoje é Ronald J. Pestritto, conhecido como RJ por seus amigos. RJ é o decano da Escola de Pós-Graduação, professor de política e presidente da Charles e Lucia Shipley no Hillsdale College. Ele é membro sênior do Instituto Claremont. Estamos conversando aqui na Califórnia, enquanto RJ está ensinando em nossa Irmandade Publius. RJ escreveu muitos excelentes estudos sobre progressismo e as principais figuras do progressismo.

Eu recomendo a atenção de todos para o seu livro "Progressismo Americano: um guia de leitura" publicado com o seu amigo e colega de trabalho, William Atto.

American Progressivism: A Reader
https://www.amazon.co.uk/American-Progressivism-Ronald-J-Pestritto-ebook/dp/B002CQTVNW

Outro livro seu é o "Woodrow Wilson e as raízes do liberalismo moderno", que sabemos não é a sua palavra final, mas contém a sua opinião sobre a influência de Wilson no progressismo, na América e no liberalismo moderno; além do "Woodrow Wilson: Artigos Políticos Essenciais."

Woodrow Wilson and the Roots of Modern Liberalism
https://www.amazon.co.uk/Woodrow-Liberalism-American-Intellectual-Culture-ebook/dp/B009W3W2NO

Woodrow Wilson: The Essential Political Writings
https://www.amazon.co.uk/Woodrow-Wilson-Essential-Political-Writings-ebook/dp/B00EJKJGXY

Hoje, RJ e eu conversamos um pouco sobre o entendimento da natureza humana, do governo e da justiça na fundação dos EUA e como este entendimento - tanto teórico quanto prático e político - foi criticado e transformado pelo progressismo na virada do século XX.

Falamos um pouco do liberalismo como tal, que é o liberalismo com "l" minúsculo - a proteção dos direitos e o que originalmente significava - um tópico muito em voga, especialmente hoje na direita; argumentos sobre o liberalismo na fundação do nosso governo moderno, um liberalismo um pouco mais louco e onde isso deu errado, e como tudo isso aconteceu; e então encerramos com alguma discussão sobre o estado administrativo, ou a burocracia, o que fazer a respeito, o que significa na lei e como isso se reflete na transformação que começou na virada do século XX na América.

Bem-vindo, RJ. Obrigado por participar do "The American Mind".

Pensei que, se podemos classificar um grande foco dos teus estudos, pelos últimos 20 anos, tem sido - isso não é uma brincadeira com a tua idade, prometo - tem sido o progressismo, suas raízes intelectuais, seu antagonismo em relação à fundação dos EUA.

Estamos aqui em nossa "Publius Fellowship", aulas que realizamos todo verão já há 20 ou 30 anos sobre como eles devem pensar sobre a política americana e o que devemos fazer para nos colocar de volta nos trilhos, tanto constitucionalmente quanto culturalmente.

Por isso, pensei que seria um bom exercício falar um pouco sobre as raízes do progressismo, seu antagonismo em relação à fundação dos EUA e o que isso significa para nós hoje. Então, talvez pudéssemos começar com uma espécie de cartilha sobre progressismo: como surgiu e qual foi o seu principal impulso intelectual em termos de oposição à fundação americana?

Pestritto: Claro. Bem, obrigado por me receber, antes de tudo.

A Era Progressista chega num momento bastante tumultuado da história americana. Há muita coisa acontecendo no final do século XIX, no século XX, e os progressistas, eles realmente pensavam que o governo precisava assumir um papel muito mais importante do que tinha sido o caso na mente dos fundadores dos EUA; eles achavam que o governo realmente precisava refletir as circunstâncias do momento.

Eles pensavam que a história já havia passado para a Constituição, que a história havia deixado as idéias dos pais fundadores dos EUA sobre governo no passado, e que eles não poderiam ter imaginado as circunstâncias daquela época e, portanto, suas compreensões de governo já não eram mais adequadas.

Foi uma crítica muito mais fundamental do que simplesmente dizer "bem, nós vamos fazer algumas modificaçõezinhas aqui no governo porque, é claro, os próprios pais fundadores dos EUA já anteviam esta necessidade; não eram ingênuos quanto a isso". Afinal, há o processo de emenda na Constituição. Há constantes referências nos documentos da fundação ao fato de que aprendemos muito ao longo da história, que nosso governo se beneficiaria destas emendas, e que o futuro governo dos Estados Unidos também se beneficiaria. Os pais fundadores dos EUA entendiam isto muito bem, mas a crítica era algo realmente muito mais fundamental. Era a idéia de que o próprio objetivo do governo; a própria substância do governo; aquilo que constitui um governo justo - também depende das circunstâncias.

Por exemplo, quando Thomas Jefferson fala sobre governo justo na "Declaração de Independência", como Abraham Lincoln nos conta nos seus comentários posteriores, ele está falando não apenas daquele momento específico. Ele expõe em sua essência o que o governo deve ser para ser legítimo, para ser justo: primeiro, tem que ter o consentimento dos governados; segundo, tem que garantir os direitos que temos por natureza, e a nossa natureza é permanente. Ela não muda.

Declaration of Independence: A Transcription
https://www.archives.gov/founding-docs/declaration-transcript

Thomas Jefferson to James Madison
http://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/v1ch14s30.html

Agora, existem diferentes caminhos para melhor atingir estes fins, mas o que o governo estava buscando em seu âmago não mudou. E foi a isto que os progressistas se opuseram. Eles disseram que a própria natureza humana não é uma coisa fixa. É algo que cresce e evolui e, portanto, precisamos reformular todo o objetivo do governo.

Williams: Portanto, o desacordo central realmente é sobre o status da natureza humana. Correto?

Os pais fundadores dos EUA não estavam alheios ao desenvolvimento das sociedades humanas, ou culturas humanas, ou às circunstâncias mutáveis ​​da economia industrial ou algo assim; mas eles pensavam que o objetivo perene do governo era assegurar certos direitos que foram fixados - ou relativamente fixados - na natureza humana. Em termos gerais, os direitos à vida, à liberdade, à busca da felicidade, à proteção da propriedade e ao constante problema do governo virar uma tirania, do qual você nunca pode realmente se livrar. Correto?

Pestritto: Claro. O comentário de Madison no décimo "Federalist Paper" é sobre as causas latentes da formação de facções que existem na natureza do homem, e onde os pais fundadores dos EUA reconhecem que houve algum progresso, e que continuaria a haver progresso.

The Same Subject Continued: The Union as a Safeguard Against Domestic Faction and Insurrection
https://www.congress.gov/resources/display/content/The+Federalist+Papers#TheFederalistPapers-10

O papel da ciência e, da ciência da política em particular, é ao que Hamilton se refere no nono "Federalist Paper". Então a ciência é capaz de propor melhorias, isso nós sabemos. Então, para os progressistas, isso significava que o governo é realmente dependente da ciência, que a ciência é realmente a autoridade. Já que nós hoje sabemos mais sobre os meios de como se governar, isto exigiria mudanças nos fundamentos.

The Union as a Safeguard Against Domestic Faction and Insurrection
https://www.congress.gov/resources/display/content/The+Federalist+Papers#TheFederalistPapers-9

Considerando que os pais fundadores dos EUA definiram a natureza humana como imutável, ou seja, ainda temos as mesmas verdades básicas, que apresentam os mesmos problemas básicos:
- de que a nossa razão e as nossas paixões estão em guerra uma com a outra;
- queremos extrair o máximo possível da razão e suprimir o máximo possível das paixões.

Isto nunca vai mudar. Podemos aprender mais sobre como fazer algo sobre este problema, mas o problema em si não desaparece.

Para os progressistas, este era o cerne da questão. Desde que se continue aceitando o conceito que a natureza humana é propensa a preconceitos e a interesses próprios, a formação de facções, a tendência de governar para si mesmo e não para o bem comum; então o real potencial do governo nunca será aproveitado, ele nunca será totalmente liberado.

Deste modo, o poder estatal nunca será aquilo que os progressistas querem. Eles nunca conseguirão decretar as suas políticas se continuarmos com esta sobriedade sobre a natureza humana, e é aí que eles realmente começaram a questionar os princípios dos pais fundadores dos EUA.

Williams: Sim, e devemos dar o devido valor a eles, mesmo que discordemos.

Quero dizer, a visão deles era, "veja, a natureza humana não é fixa. Ela evolui com as mudanças históricas e, na verdade, a única maneira de continuarmos melhorando nossa sociedade e até chegar perto da perfeição é a de permitir que o governo faça mais." Concorda? Na concepção progressista, o governo ilimitado está realmente a serviço da busca contínua da justiça.

Aqui discordamos deles, é claro. Discordamos sobre a natureza dos seres humanos e por que a tirania continua sendo uma ameaça, mas essa é a principal crítica, correto?

Pestritto: Sim, acho que você está correto. Inclusive, é uma das razões por que todas as ciências sociais, como as conhecemos hoje, têm suas origens, mais ou menos, neste momento. A idéia sempre foi: "veja tudo que podemos fazer hoje com a ciência, e a oportunidade que isso gera."

Williams: Nosso amigo John Marini, que também faz parte deste programa, diz que as universidades modernas e as ciências sociais são, essencialmente, as ciências aplicadas do estado administrativo ou do estado burocrático moderno.

Pestritto: Perfeito, ele está correto. Não tinha ouvido desta maneira, mas é uma ótima maneira de explicar.

Williams: Agora para os nossos ouvintes que não estão tão familiarizados com a história política americana; a "Guerra Civil Americana" termina em meados da década de 1860. Podemos dizer que temos aí o início do movimento progressista? Tanto intelectualmente, quanto politicamente?

A Guerra Civil Americana



Pestritto: Sim, historiadores gostam de falar com maior precisão sobre datas do que nós, teóricos políticos, é claro. Sempre tendemos a falar sobre progressismo e quais são os seus princípios fundamentais, porque pensamos que você pode encontrá-los tão operacionais hoje como o eram antigamente. Mas em termos da Era Progressista, normalmente você está falando da década de 1880, durante a Primeira Guerra Mundial e durante o período entre guerras.

No século XIX, tanto na Europa quanto nos EUA, temos o surgimento filosófico do pensamento histórico, da filosofia da história. Essa idéia de que mudança histórica, que a evolução histórica deve ter um lugar dominante ao falar sobre política e muitas outras coisas na vida humana. Às vezes, isso está vinculado à linguagem da revolução darwiniana porque você tem esse conceito de evolução, mas a ideia de evolução ocorreu muito antes de Darwin.

Williams: Os cientistas sociais gostam de trazer esse novo entendimento da ciência natural para aplicar às coisas constitucionais ou ao governo humano, correto?

Pestritto: Sim, exatamente. De uma interpretação bastante ampla de "darwinismo", surgiram todos os tipos de conceitos evolutivos aplicados à vida política.

[A origem deste pensamento nos EUA] no século XIX, [começou] no ensino, especialmente no ensino superior. Por exemplo, se você quer um diploma avançado e mora nos Estados Unidos nesta época, muito provavelmente você iria à Europa para obtê-lo. E muito provavelmente iria à Alemanha. As universidades americanas foram transformadas por causa disso. Para aumentar seu prestígio elas começam a buscar professores e funcionários que haviam sido educadas nesses lugares da Europa. Assim, cidades que antes eram americanamente ortodoxas passam a ser habitadas por pessoas que foram educadas dentro dessa filosofia histórica.

Tudo isso contribuiu para o ambiente do final do século XIX. Você tinha todas as circunstâncias de urbanização e de imigração, além de diversas transformações bastante significativas naquele momento. Esta é a situação ideal para quem tem estas idéias [revolucionárias] e os intelectuais estavam à todo vapor [nesta época].

O progressismo realmente nos mostrou como Aristóteles estava correto ao dizer que o mais determinante é o regime ou as idéias dos que estão no topo. Essas idéias vão se infiltrando gradualmente. Foi o que aconteceu com o progressismo.

Williams: Sim e precisamos reconhecer que eles não são pessoas burras. Uma elite determinada e inteligente pode mudar o curso de um país, mesmo do tamanho dos Estados Unidos, correto?

Pestritto: Com certeza. E com total consciência disto.

Como você bem mencionou, estes são homens e mulheres muito bem-educados. Eles realmente entendem muito bem o argumento dos pais fundadores dos EUA. Eles entendem a filosofia política que estes elaboraram.

Quero dizer, eles falham em algumas coisas aqui ou ali, é claro, mas basicamente conhecem o assunto. E é por isso que as principais obras progressistas começam com algum resumo da Constituição, da Declaração da Independência, do pacto social, do Lockeanismo etc...

The Constitution of the United States

Declaration of Independence: A Transcription

Social Contract Theory

Eles estão totalmente conscientes quando argumentam para nos afastarmos destes princípios. Inicialmente eles até eram intelectualmente honestos. Já nas ondas subsequentes, com Charles Kessler, por examplo, eles já não são tão honesto. Alguns até os chamariam de liberais.

Charles R. Kesler
https://www.claremont.org/scholar-bio/charles-r-Kesler/

Com os progressistas temos a exposição sincera de que pensavam; aquela era a concepção da natureza humana deles; aquela era a concepção de liberdade deles.

Para a época, ou estavam errados, ou seus conceitos eram por demais limitados, pois não foram politicamente atraentes. Embora tenham sido em certos setores, como o New Deal.

The New Deal

Williams: [Antes de continuarmos vamos entrar numa] espécie de nota de rodapé, para fins de esclarecimento.

[Precisamos falar] sobre duas coisas, pelo menos. Você menciona a filosofia da história e acho que devemos esclarecer o que é isso. Acho que é uma grande fonte de confusão. A maneira como normalmente pensamos sobre o que é história e o que é verdade, e a maneira como os progressistas pensam. Deixe-me fazer um rápido esboço.

Não quero aprofundar muito na história da filosofia política, mas por "filosofia da história" temos Hegel, um famoso alemão [dos] meados do século XIX, e ele diz algo como:

“Até agora, a história tem sido uma série de eventos, às vezes em antagonismo entre si. [Porém] sempre girando em uma direção progressiva, no sentido de que está se movendo em direção a algo mais perfeito ou mais alinhado com o florescimento humano; e eu, Hegel, agora permaneço meio que no final desse processo, [por isso] eu posso avaliar todo o resto.”

Então é isso que queremos dizer com filosofia da história, correto? Quero dizer, Hegel pensa que está no fim da história, não no sentido do fim dos tempos, mas no sentido de realmente chegando no auge [da humanidade] e como os seres-humanos podem se governar.

Hegel: Filosofia da História



Os progressistas compram esta teoria de várias maneiras. Correto?

Pestritto: Sim, muito bem resumido. Eu até voltaria e faria mais uma distinção, porque no século XIX, como disse anteriormente, o pensamento histórico era algo natural, e isso ocorreu de duas formas distintas.

Uma linhagem é apenas a escola histórica básica que meio que sai da Inglaterra e da Alemanha, onde o argumento é basicamente para a evolução de uma maneira aleatória, para uma contingência histórica em que diríamos simplesmente que a história traz mudanças e o governo se adapta a elas. Você está falando em Edmund Burke. Pessoas como o grande escritor inglês, Walter Bagehot. Algo como "ei, a constituição inglesa é baseada nessa escola histórica", na idéia de que não há constituição escrita permanente na Inglaterra. É apenas uma espécie de evolução lenta e gradual e adaptação as circunstâncias históricas. Essa é uma versão do pensamento histórico.

A outra versão é a que você descreveu: a versão hegeliana, que -

Williams: Mais racionalista, de certa forma.

Pestritto: Isso. Não se trata apenas de: “Ei, a história muda aleatoriamente e devemos mudar aleatoriamente o governo, de acordo com ela.” E sim algo como: “está mudando porque há um objetivo nisso.” Há um começo e um fim, e está culminando; e existe esse estado final ideal e será racionalmente ordenado.

Essa é a versão mais idealista, e eu acho que o que distingue os progressistas dos outros nesse momento é que eles aderem, não apenas ao pensamento histórico geral que existia no século XIX, mas naquele ordenamento mais idealista. É por isso que eles adoraram promover essa nova teoria da administração: “Bem, agora o governo pode ser ordenado racionalmente, e a história levou algum tempo para nos levar a esse ponto. Precisamos tirar vantagem disto.”

Williams: Novamente citando nosso amigo John Marini, ele estava no programa de TV do Mark Levin e falou sobre o estado racional, um termo do Hegel, e acho que muitas pessoas ficaram confusas sobre o que isso significa; mas para os progressistas que recorrem a Hegel, este termo significa que finalmente chegamos ao ponto em que podemos ter burocratas neutros, que possuem apenas o bem comum em mente, e não o bem pessoal deles. Então administrando o governo cientificamente, para eles, tornará as pessoas mais felizes, dará vidas mais confortável e mais livres.

Pestritto: Isso. Uma das razões pelas quais o governo teve que ter o seu escopo limitado durante a "Era da Fundação dos EUA" foi porque a história ainda não havia nos levado ao ponto de máximo da ciência, ao ponto que a razão finalmente [pode dominar]; portanto, [a idéia de limitar o governo] poderia fazer sentido naquele tempo. Por isso que você tem que assumir o progresso da história para entender os progressistas.

O argumento é que agora a história elevou o entendimento [humano] a um nível tão mais alto, e que finalmente o governo pode organizar as coisas de uma maneira muito mais racional do que antes, do que nos estágios iniciais da história. Agora podemos jogar fora as restrições do [governo]. Agora não precisamos mais de certos princípios constitucionais, nem da separação de poderes e tudo aquilo que existia para limitar o governo, pois podemos fazer a gestão através dos especialistas.

Williams: [Eles poderiam então dizer:] "E, se limitando o governo você está apenas nos impedindo de fazer um trabalho melhor e de trazer mais felicidade e prosperidade às pessoas, por que você é contra isso?" Correto?

Pestritto: Correto.

Williams: Então o último ponto de esclarecimento é sobre Darwin.

Já vimos que há uma influência Hegeliana, de Hegel, e há também uma influência da "Teoria da Evolução". Darwin começa a falar sobre a evolução das espécies, e isso se difunde na sociedade e nas classes intelectuais e influencia como eles pensam sobre praticamente tudo;

Woodrow Wilson, ex-presidente dos EUA, possui um famoso artigo chamado "The Study of Administration" que foi escrito por volta do ano 1880. Neste artigo ele diz que os pais fundadores dos EUA tinham um sistema de governo Newtoniano. É como um planetário, estão todos girando um em torno do outro em um equilíbrio perfeito. Assim a separação de poderes permite que um verifique o outro, e é esse belo equilíbrio Newtoniano que protege a liberdade e garante um bom governo.

The Study of Administration

Como Wilson estava na era de Darwin, ele afirma que o governo precisa ser, na verdae, orgânico e não mecânico. Essa é a maneira retórica que ele usa para tentar convencer as pessoas de que essa nova maneira de fazer as coisas está alinhada com a ciência  e, portanto, é válida.

Pestritto: Sim. Só que ele diz isso na verdade em 1912. Essa é uma metáfora que ele usa na sua campanha para presidência em 1912. Esta linguagem que você está usando é extraída de seu livro "A Nova Liberdade", que é simplesmente uma coleção editada dos seus discursos de campanha.

The New Freedom by Woodrow Wilson
http://www.gutenberg.org/ebooks/14811

Agora imagine um candidato dizendo isso numa campanha em 1912: "os pais fundadores dos EUA levaram Montesquieu, um filósofo político francês que falou sobre separação de poderes, mais a sério do que deveriam. Eles tinham essa visão muito fixa e mecânica das coisas, quando na verdade o governo é orgânico. Nós progressistas queremos interpretar a Constituição de acordo com Darwin."

Até hoje vemos esta questão nos debates políticos. Existem aqueles que argumentam por um entendimento mais original da Constituição; outros já dizem que precisamos interpretar a Constituição como um documento vivo. É daí que vem essa linguagem. Isso vem dos progressistas e da compreensão do governo como uma espécie de coisa orgânica.

A frase interessante do ensaio a que você se referiu, “O Estudo da Administração” é quando ele tenta adotar o modelo administrativo alemão. Ele quer pegar a idéia prussiana de administração e trazê-la para a Constituição Americana. Portanto, ele está tentando explicar como se pode adotar essencialmente um modelo administrativo monárquico e modificá-lo para uma constituição republicana.

Ele diz: "Se eu vejo um assassino afiando uma faca de maneira inteligente, posso imitar sua maneira de afiar uma faca sem também emprestar sua provável intenção de cometer um assassinato com ela". Isso por volta de 1880.

Williams: Isso mesmo. Me confundi. Obrigado pela correção.

Acho que agora podemos passar para a questão do liberalismo, questão bastante em voga nos círculos conservadores.

A questão é: "por que o liberalismo moderno está completamente insano?" - insano principalmente no sentido da sua mais nova versão com a política identitária e a interminável estratégia de "dividir para conquistar"; onde você tem hierarquias de opressão, infinitos grupos de vítimas, e essa busca interminável pela igualdade sejam sexuais, raciais ou qualquer outra coisa.

Alguém como Patrick Deneen, professor em Notre Dame, escreveu um livro sobre isso ultimamente. Ele diz: "olha, tudo isso já estava dado na fundação dos EUA. O individualismo radical baseado na filosofia política de John Locke, pouco antes da fundação dos EUA, era uma espécie de bomba relógio. Eventualmente, teríamos uma igualdade radical, desimpedida e descontrolada; e, portanto, não devemos nos surpreender agora que o liberalismo moderno ficou totalmente louco."

Why Liberalism Failed (Politics and Culture Series)
https://www.amazon.co.uk/Why-Liberalism-Failed-Politics-Culture/dp/0300223447

Sei que você escreveu sobre isso e vai escrever sobre essa questão do liberalismo dos pais fundadores dos EUA. Mas primeiro queremos separar o liberalismo com "l" minúsculo, que é a proteção de direito, do liberalismo dos progressistas.

Podemos, então, começar com o liberalismo dos pais fundadores dos EUA.

Pestritto: Bem, acho que um bom lugar para começar a resposta da sua pergunta é dizer, "bem, onde os conservadores tendem a concordar quanto a essas questões?" O que eles concordam é que as coisas foram para as cucuias na América. O liberalismo moderno é um problema e nisto muitos conservadores concordam entre si.

Onde eles discordam é quando o problema começou.

Nós, associados ao "Instituto Claremont", apontamos como fonte fundamental da mudança a "Era Progressista", quando você tem os princípios originais dos pais fundadores dos EUA e o progressismo vem com a sua rejeição destes princípios. Portanto, tendemos a fundamentar os problemas do liberalismo moderno na "Era Progressista".

Porém, com toda a razão, existem conservadores que preferem recuar ainda mais na tradição americana. Este problema do liberalismo não é algo que foi injetado de fora, diriam. Isto é algo que já estava lá, ou talvez até desde o começo. Portanto, sabemos que alguns conservadores dizem que você precisa voltar um pouco mais. Alguns sugerem que foi Abraham Lincoln quem mudou as coisas. Então, há todo esse debate, com paleocons ou paleocons libertários.

Williams: O argumento é que de alguma forma foi Abraham Lincoln que inaugurou um governo grandioso e que agora está fora de controle.

Pestritto: Exato. Podemos entrar neste assunto, se desejar.

Este é um argumento comum entre os conservadores, mas, como você sugeriu na sua pergunta, há um pedaço do conservadorismo que encontra falhas na própria fundação dos EUA.

O que você tem em Patrick Deneen, ou outros que trabalham nesta linha, não é realmente novidade dentro do movimento conservador. Sempre houve esta parte considerável que é bastante desconfortável com a fundação dos EUA.

O argumento é que realmente isso não é uma mudança, não é um afastamento da fundação dos EUA. E sim o culminar dos princípios perigosos que foram, como você disse, incorporados desde o início. Há um debate muito robusto sobre isso agora.

O único ponto em que sempre gosto de levantar é que se isto é verdade, se é verdade que os liberais progressistas e modernos estão simplesmente continuando o que havia sido estabelecido, porque os progressistas não entendem a si mesmos assim?

Eles sabem, como discutimos anteriormente, que estão se afastando dos princípios da fundação dos EUA. Eles inclusive dizem que estão se afastando. Então o argumento de Patrick Deneen e outros não é apenas que entendemos mal os progressistas, mas que os próprios progressistas entendem mal os progressistas. Eu nunca vi um tratamento satisfatório deste problema.

Como você lida com o fato de que os próprios progressistas pensavam estar se afastando dos princípios da fundação dos EUA?

Williams: Sim, e apenas como uma observação rápida - uma outra ironia de certa forma, e Patrick Deneen sabe disso, é claro - se você pegar todas essas obsessões modernas com o liberalismo sexual e de identidade de gênero, que a esquerda [tanto adora] e as [apresentasse] a alguém como um Woodrow Wilson, um arco moralista em vários aspectos -

Pestritto: aham.

Williams: - os progressistas em si mesmo teriam negado completamente aonde chegamos. [Negariam completamente] esta corrida louca para igualar tudo e tornar a identidade sexual e tudo o mais como a fonte principal de tudo o que deveríamos nos preocupar em relação à justiça.

Pestritto: Está corretíssimo. Isso levanta a questão interessante de qual é a relação entre liberalismo progressista e ondas posteriores. Este é realmente um debate interessante.

[Uma coisa que podemos] dizer sobre progressismo, [é que] depois de abandonar a [sua base com a] natureza [humana], [ele] se abre para esse tipo de coisa.  Mesmo que não se pareça com progressismo, as bases são lançadas pelo progressismo, e é por isso que muitos de nós aqui associados ao "Instituto Claremont" realmente apontamos para os progressistas, pois esse é o grande ponto de virada.

[Veja], os próprios progressistas [de antigamente] ficariam horrorizados com o que o liberalismo se tornou, [pois] essa foi uma grande parte do projeto progressista; essa base de governo [baseado] na natureza [humana].

Williams: Sim, cortar a conexão entre a natureza humana e a finalidade do governo, e os contornos da justiça realmente abre as portas para qualquer estratégia - quero dizer, um liberal moderno diria a um Wilson que se opõe a ele

“Bem, olhe, no seu tempo, no tempo do progressismo, você não sabia sobre a importância central da identidade sexual e seu papel no florescimento humano e a sua importância para a total liberdade humana. Se você estivesse onde estamos, concordaria com a nossa versão moderna de liberalismo, e abraçaria essa política de identidade.”

Pestritto: Sim, acho que você pode desenhar a continuidade desta maneira.

Williams: Bem... Gostaria de conversar um pouco sobre algo mais atual. Durante um discurso do CPAC durante a campanha, ou num CPAC logo após a eleição - realmente não importa - Steve Bannon disse: "Um de nossos projetos no governo Trump é desmantelar o estado administrativo".

Steve Bannon "Deconstruction of the administrative state"

Agora, o "estado administrativo" é uma espécie de termo técnico para esta burocracia moderna, especialmente a parte que está isolada do controle presidencial, que cria diversas regras e governa nossas vidas de várias maneiras, tanto econômicas quanto sociais.

É realmente uma conseqüência do argumento progressista de que deveríamos ter especialistas isolados levando o governo no dia a dia. Por que isso é tão importante para nós hoje, ou como isso influencia nossos argumentos nos tribunais e a trajetória das disputas políticas tanto na direita quanto na esquerda?

Pestritto: Bem, o que acontece hoje é que finalmente se esclareceu esse conceito de estado administrativo que está em desenvolvimento, como você mencionou, há muito tempo, porque o que você vê na política contemporânea é um desafio à vontade do eleitorado. Ou seja, foi um retrocesso [da democracia] para o conceito do estado administrativo.

Isso meio que foi um pouco obscurecido pelo termo "estado profundo" (Deep State), que eu acho que está relacionado, mas não exatamente a mesma coisa -

Williams: É um termo politicamente útil, é claro.

Pestritto: Sim. Principalmente porque parece que isso é algum tipo de conspiração do mal; mas, de fato, é apenas algo que vem crescendo lentamente ao longo das décadas dentro do governo americano;

saindo da Era Progressista, que é o que elas eram - é possível ver uma espécie de ironia no âmago do pensamento progressista, porque por um lado, você tem esse verniz muito democrático, a idéia de que os pais fundadores dos EUA desconfiavam demais do povo; que foram sensatos sobre a natureza humana porém impuseram limites demais ao governo. "Vamos resolver isso, democratizando estas coisas", [os progressistas] diriam.

Por um lado eles vão democratizando estas instituições, porém, ao mesmo tempo, a maior parte do poder sob a visão progressista é transferido para fora dessas instituições políticas democratizadas; O poder é transferido para os especialistas, para as pessoas que governam não com base de consentimento/voto, mas para as pessoas que governam sob a autoridade da ciência ou a autoridade do que afirmam conhecer.

Isso muda a própria fundação do governo, e é por isso que os progressistas falam sobre a necessidade de separar política e administração e manter a política em si, o mecanismo de consentimento/voto, fora do caminho da administração.

Você vê isso hoje de diversas formas, porém principalmente na burocracia que modela o controle presidencial. A idéia é que a política eleitoral realmente deve ser impedida de poluir o nobre trabalho objetivo, o tipo de trabalho científico desses burocratas.

Por exemplo, não devemos deixar que questões sobre a gestão da saúde pública ou questões ambientais sejam decidas pelas pessoas humildes do povo e pelo Congresso, que afinal é eleito apenas por nós. A autoridade deve estar muito acima, deve estar com as pessoas que realmente conhecem sobre o assunto.

Há muitos conflitos hoje por causa disto; primeiro porque finalmente uma parte do eleitorado já começou a perceber que parte do governo está além de seu controle.

Williams: E de certa forma o argumento dos progressistas modernos, que são defensores do estado administrativo, se é que posso colocá-lo dessa maneira, seria: "Bem, se a nossa posição é científica por que ela deveria entrar em votação?"

Pensamos que, de certa forma, nossa contra-posição seria:

“Bem, veja, [de fato] podemos saber certas coisas cientificamente; mas o governo na realidade está fazendo julgamentos sobre como aplicar qualquer conhecimento que tenhamos sobre coisas humanas a uma população que estamos governando.

Portanto, do ponto de vista dos pais fundadores dos EUA, você não pode acabar com um governo por consentimento, porque a soberania final está no povo; e não é que se não possamos ter especialistas que administram o governo, mas um isolamento completo de qualquer controle popular, por mais científico que sejam, é algo proto-tirânico."

Pestritto: Sim. O objetivo da esquerda é basicamente pegar grandes partes do governo e fazê-las funcionar de acordo com sua ideologia e imunizar isso de qualquer controle popular. É disso que trata o movimento ambientalista, por exemplo.

Não é realmente uma questão de quem está correto, de quem tem a razão.

Para ampliar o argumento que você fez, mesmo que alguém aceite por uma questão de argumento a ciência que os ambientalistas querem nos empurrar - e eu não vou me aprofundar nisto - a questão política é o que fazer com este conhecimento.

Se você sabe [cientificamente], por exemplo, que por um lado maiores restrições [ambientais] levarão a uma melhor saúde pública; mas por outro lado, isto causará [problemas] econômicos. [Chegamos ao cerne da questão], como vamos ponderar estas duas posições? prosperidade econômica versus ar mais limpo; bem, as pessoas têm opiniões diferentes sobre isto, e é por isso que você tem um governo baseado em consentimento.

O objetivo da esquerda neste caso é essencialmente utilizar a ciência para encerrar todo o debate e capacitá-los a administrar o governo como quiserem.

Williams: Esse ato de equilíbrio é o cerne da política: como equilibrar boas políticas, ou o que devemos fazer, ou como administrar os custos do que precisa ser feito.

O foco dessas deliberações foi o Congresso por uma boa parte da história dos EUA. Porém, acho que especialmente nos últimos 40 anos, muitas dessas perguntas difíceis foram totalmente ignoradas pelo Congresso moderno. Foram todas resolvidas por burocratas ou agências isoladas [do processo democrático]. O Congresso não está deliberando sobre essas questões pois está feliz em delega-las.

Pestritto: Sim, o Congresso de uma maneira não quer participar de debates que possam comprometer o emprego dos membros do Congresso. Então o jogo, como é jogado aqui, é que os membros do Congresso querem crédito por votar apenas em coisas agradáveis, generosas e completamente vagas, certo? Tão -

Williams: Ar limpo, locais de trabalho seguros -

Pestritto: ar limpo, locais de trabalho seguros, assistência médica acessível a todos - quem se opõe a alguma dessas coisas, correto?

Então você quer que o eleitor escolha sua escolha com base nisso: "Oh, esse cara é a favor de ar limpo. Bem, eu gosto disso."

Mas quando alguém tem que realmente fazer a escolha difícil - o que é necessário para pôr essas coisas em prática - então quando eu tenho que decidir entre um certo nível de emissões [de CO2] ou acabar com a indústria do carvão e gerar desemprego, bem, então, isso é mais difícil. [Aí eu jogo para os burocratas, para asa agências.]

Ou apenas para dar o exemplo do Obamacare. Queremos uma assistência médica acessível, por isso, vamos aplicar o controle de preços. Pelas leis econômicas, que são inevitáveis, você terá racionamento. Como você quer controles de preços, mas não quer racionamento, a escolha [difícil aqui] é [o quê é] realmente legislar.

[Nesse caso desagradável] você passa o problema para os burocratas, para poder se distanciar, como membro do Congresso, dessas escolhas difíceis.

E para piorar, quando há indignação pública, você leva o pobre burocrata perante seu comitê do congresso, aponta as câmeras de televisão e repreende-o por causa dessas coisas terríveis que eles tiveram que escolher, exatamente porque você lhe deu o poder de fazê-lo.

Por causa disso que quase sinto pena dos burocratas.

Williams: [risos] Sim, eles sempre levam a culpa de alguma maneira.

Acho que para concluir sobre esse tópico podemos falar sobre "direito administrativo", que soa como um tópico meio esotérico. Grande parte da luta política hoje está acontecendo nos tribunais, e diversas doutrinas legais cresceram junto ao progressismo moderno.

Me pergunto se você gostaria de falar sobre isso.

Pestritto: Claro. O resultado desta maneira de fazer política, sobre a qual acabamos de falar e que aconteceu muito no governo Obama e agora no governo Trump, é que as políticas são feitas por agências do poder executivo. O Congresso desistiu desta autoridade.

Bem, então aqueles que não gostam do que a agência fez, vão lutar contra elas, e normalmente esta luta termina no tribunal. E por isso é realmente muito importante conhecer as doutrinas do direito administrativo.

No direito administrativo, algo que soa horrível - um curso que dou regularmente, e você não recebe muitos alunos - [estudamos o que acontece] quando você vai ao tribunal e questiona o que uma agência fez com o poder que o Congresso lhe deu; como os tribunais tratam esse tipo de recurso?

Se você pensa na maioria das principais controvérsias políticas sobre este governo atual e o anterior, elas acabaram no tribunal - seja na área da saúde ou no meio ambiente - e nos principais casos -

Williams: Ou imigração.

Pestritto: Ah, me desculpe. A imigração seria outro exemplo muito óbvio. Obrigado.

[Todos] são casos de direito administrativo. É uma questão de, bem, a agência fez o que a lei diz? Foi errado o Congresso lhes conceder esse poder em primeiro lugar? Que postura o tribunal deve adotar em relação à decisão tomada pela agência? Deveria respeitar a liberdade da agência (deferência) ou não?

E existem todas essas doutrinas obscuras que ficaram famosas por causa dos casos conhecidos como "deferência da Chevron" e da Auer (casos sobre ambiguidade na lei ou nos requerimentos enviados às agências).

Por quê? Porque foi assim que escolhemos fazer políticas. O Congresso não faz nada hoje em dia, por isso tudo é disputado nos tribunais.

Williams: Eu queria trazer à tona - acho que existem algumas frases populares usadas pelos políticos que ilustram a difusão da maneira como o progressismo moldou a maneira como pensamos sobre política, você sabe, sobre qualquer questão controversa.

Obama adorava fazer isso, mas ele não é o único culpado. Também fazemos isso dentro da direita na política popular, principalmente nas últimas décadas: "Bem, os estudos mostram X, Y ou Z, e, portanto, é por isso que devemos utilizar o governo para pôr isto em prática".

Esta é uma maneira insana de falar que soaria muito estranha aos pais fundadores dos EUA, que estavam muito mais familiarizados com uma espécie de raciocínio moral do bom senso e em como discutir políticas públicas.

Mas o trunfo em nosso discurso moderno é: "Bem, você tem um estudo para provar isso?" Caso contrário, você não é legítimo no discurso público.

Pestritto: Sim, então a ciência se tornou totalmente autoritária no exemplo que você cita.

A outra frase comum, e é isso que eu pensei que você abordaria inicialmente, é: "A história meio que passou por nós" -

Williams: Sim, "o lado certo da história".

Pestritto: Isso... “fique do lado certo da história” ou o que você tem. Você tem os dois, certo, o argumento histórico ali, o tipo de argumento progressista e, em seguida, a deferência à autoridade da ciência.

Williams: Sim, e de uma perspectiva fundamental, aprendemos com a experiência e temos a boa sorte - você sabe, Madison passou muito tempo estudando as falhas das repúblicas antigas e medievais para se preparar para a Convenção Constitucional - então não é como se não pudéssemos aprender com a história, mas acho que os pais fundadores dos EUA certamente pensariam que você sempre pode evoluir na história.

Não existe um lado certo da história do qual você faça parte inevitavelmente. Quero dizer, as coisas sempre podem ir para o inferno se você parar de cuidar dos problemas que levam ao governo tirânico, ou do equilíbrio entre razão e paixão, ou qualquer uma das coisas que conversamos.

Pestritto: Eles nunca concordariam que a história é uma força que não pode ser controlada pela escolha humana.

Este é o grande argumento dos pensadores históricos do século XIX, dos idealistas, de Hegel e outros - que, de certa forma, dizem que somos todos apenas peões no palco da história.

Pense nos Documentos Federalistas. Eles estão dizendo: “Ei, nós temos uma escolha aqui. Vamos estabelecer o nosso governo com base na reflexão e na escolha, não com base em acidentes históricos.” Então, vamos discutir aqui. Nós vamos deliberar e podemos fazer a escolha errada. Não é que seja apenas destino. Não, nós poderíamos fazer a escolha errada.

Habilidade política [também é necessária] diz o grande escritor Alexis de Tocqueville, e é como ele explica o sucesso da América. Não basta apenas ter os princípios corretos, mas também é necessário a prudência dos estadistas, além de ter as pessoas certas nos lugares certos.

Ele diz: “Bem, por que esse experimento político, os EUA, funcionou? Bem, muitas razões: você tinha boas leis e boas pessoas, mas também teve a sorte de ter essas pessoas realmente prudentes.”

Ou dê uma olhada no grande conflito da Segunda Guerra Mundial. Você sabe, é realmente importante que Winston Churchill estava no comando da Grã-Bretanha fazendo as escolhas que ele estava fazendo. Hitler poderia ter vencido. A história sozinha não vai garantir o bom resultado.

Portanto, os pais fundadores dos EUA nunca teriam concedido esse tipo de poder à história. Eles aprenderam muito com a história, é claro. Seus escritos são cheios de exemplos, antigos e contemporâneos e dependem desses exemplos, mas eles nunca cederiam este tipo de poder ao destino.

Williams: E apenas um último ponto que devemos mencionar - é interessante que houve uma espécie de atualização na concepção do estado administrativo dentro da esquerda.

Você vê isso em alguns artigos que fazem revisão das leis. Em algumas vezes é como eles estivessem dizendo: "ok, esses burocratas totalmente isolados é de de fato antidemocrático, e isto é ruim; porém se você realmente observar como tudo funciona - eles têm esse processo onde anunciam as leis e abrem espaço para o público comentar (notice-and-comment) - e além do mais temos esse congresso disfuncional..."

Eu já vi esse argumento e me pergunto se você gostaria de fazer um comentário rápido: a maneira do estado administrativo de criar as leis é mais democrático do que o Congresso moderno porque é aberto ao público para comentar e é executado por funcionários públicos.

Eu me pergunto o que você acha disso. Acho que nós dois pensamos que é meio ridículo, mas...

Pestritto: Há um núcleo de verdade nisto aí, na medida em que Congresso está disfuncional -

Williams: [Risos]

Pestritto: - Isto é verdade, e abre para esse tipo de argumento.

Agora, a idéia de que este processo, chamado nos EUA de "Administrative Procedure Act" onde se anuncia e depois se permite comentários sobre as leis é de alguma forma, é capaz de substituir a autoridade do consentimento através das instituições políticas comuns, é absurdo; especialmente para qualquer pessoa que saiba alguma coisa sobre como isso realmente funciona.

Estas agências descobriram exatamente como atender todas as demandas necessárias e como respeitar todos os procedimentos. Eles são muito bons nisso. A maioria das agências é composta por uma pletora de advogados, a propósito, exatamente para isso. Então, eles sabem como passar por todos os testes, como pôr os pingos nos "Is" e dar a aparência que estão dando alguma contribuição pública;

Porém sabemos que estas agências fazem o que querem; e as únicas pessoas que realmente influenciam estas agências de maneira significativa são os interesses, muito bem endinheirados, das grandes corporações, que os próprios progressistas juravam que estavam afastando da política;

Todos os envolvidos ali sabem como jogar o sistema, sabem jogar muito bem com o sistema. Portanto, a ideia de que isso substitui o consentimento do eleitor comum é absurda.

Williams: Sim, é claro, é óbvio que o grande capitalismo corporativo - essas grandes corporações - tem sua própria equipe de advogados que não fazem nada além de se concentrar nestes processo de procedimento administrativo e se beneficiam como puderem.

Pestritto: Sim. O que é basicamente uma [eficiente] barreira contra os concorrentes menores.

Williams: Bem, obrigado RJ. Este é o começo desta conversa e espero que tenhamos muito mais, mas obrigado por se juntar a nós.

Pestritto: Sim, também espero. Obrigado por me receber.